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Certezas e o caminho

“Vais sentir muito menos pressão e menos inseguro, se perceberes que toda a gente está simplesmente a improvisar. Aquelas pessoas que querem fazer parecer que não estão a improvisar, e que  finjem fazer tudo parte de um plano brilhante, estão loucas, cheias de sorte, ou então a mentir.”

Ryan Holiday

Ouvi esta frase do Ryan Holiday numa entrevista que ele deu, onde falava do seu percurso, das escolhas que foi fazendo, e a forma como as coisas foram acontecendo para ele chegar onde está agora. Quando o Ryan fala, eu ouço. É uma pessoa que respeito bastante, de tal forma que leio todos os dias algo que ele escreveu.

Há a tendência de nos fazerem crer que se tivermos um plano bem definido, se agirmos com extrema confiança, que tudo correrá como planeado, e o mais grave na minha opinião, é que se as coisas não correram como planeado é porque não fizemos o que devíamos, que a falha foi nossa, que nunca vamos conseguir, ou que é o nosso destino a nossa sorte ou falta dela.

Essa ilusão que controlamos o resultado final das coisas faz-nos mais mal que bem, é uma necessidade de não nos sentirmos à mercê das circunstâncias, que somos agentes sobre o que acontece, mais especificamente o que nos acontece.

Se pensarmos bem nas coisas que nos fizeram chegar até aqui onde estamos, se questionarmos mesmo bem, iremos perceber que o acaso esteve sempre lá. Sempre. Lá.

Os teus maiores amigos de infância, como é que os conheceste?

Foi porque foste para determinada escola, talvez, mas nessa escola havia muitos alunos, porque é que são esses os teus amigos e não outros?

Gostei deles, dizes tu.

Porquê? Porque razão apareceram na tua turma, ou naquele jogo de basket no intervalo e pediram para jogar?

Como é que o teu pai conheceu a tua mãe?

Porque uma amiga os apresentou. Porque é que essa amiga os apresentou, e a juntar isso porque é que gostaram um do outro?

Percebes agora onde quero chegar.

Agarramo-nos às histórias daquelas pessoas que tinham um sonho de pequeninas de serem isto ou aquilo, e após uma grande determinação chegaram a realizar o seu sonho. Fantástico, mesmo, eu também adoro essas histórias, dá-nos vontade, motivação para perseguir os nossos sonhos.

Aqui a única questão que coloca isto em causa, é:

Será que as pessoas que tinham um sonho e não o conseguiram atingir, e fizeram aquilo que estava ao seu alcance, contam a sua história?

Tem menos glamour, falar de fiz tudo o que podia e não foi suficiente não torna ninguém mais feliz, obriga-nos a confrontar com a realidade dos factos de que nem tudo está nas nossas mãos, que não controlamos o desfecho final de tudo.

“Ah e tal, deixa-me lá ir ali cortar os pulsos e acabar com tudo porque a vida é demasiado imprevisível!”, estão alguns de vocês a pensar neste momento.

Não, nada disso.

Como tudo na vida, a relevância e o impacto que as coisa têm na nossa vida, estão intimamente ligados à maneira como escolhemos encarar as coisas.

Se não controlo tudo, sei que não sou uma pessoa com defeito se as coisas não calham exactamente como planeei, há factores externos que estão lá, sempre estiveram, e sempre estarão. Posso dormir descansado sabendo que fiz o que estava ao meu alcance e que “o resto repousa na mãos dos deuses”.

Há um lado aleatório no facto de estar vivo, todos conhecemos histórias de pessoas que estavam a viver a sua vida, e de repente sem ninguém prever lhe acontecem coisas catastróficas, ou coisas fantásticas, coisas que ninguém poderia dizer seguramente, “eu sempre soube que isto ia acontecer”. Até podemos, e devemos dizer, se estamos vivos estamos disponíveis para que tudo aconteça, é garantido que tudo pode acontecer.

Mas afinal que posso eu fazer?

Como perceber o que devo ou não fazer?

Primeira coisa, é a tal consciência do que nos alimenta e o que nos suga energia, reflectir com frequência as interações do dia a dia e perceber do que me devo aproximar e o que me devo afastar. Para isso devo estar centrado em mim, mas em mim em relação com os outros, com os ambientes, não centrado no que acho que os outros acham.

Se estivermos sintonizados connosco desta forma, vamos começar a ver direcções que nos motivam que nos fazem querer aproximar desta área, ou daquela, desta ou daquela pessoa.

Por exemplo, se gostas de arte, passa mais tempo ao pé de artistas, faz-lhes perguntas, tenta perceber o que é mesmo ser artista, que tipos de arte te fazem sentir melhor, quais são as dificuldades que eles enfrentam, se estás disposto a passar por isso, mas uma coisa importante que poderás fazer, é perguntar se os podes ajudar de alguma forma. Dessa forma estás a agir sobre o mundo, estás a questionar se tens lugar naquela comunidade, dessa forma crias ligações, sentes na pele o que eles sentem, mas também começas a experienciar as alegrias que daí podem vir, também são tuas.

Aprendes com aquilo que eles já sabem, saltas etapas no teu perscurso para poderes fazer arte todos os dias, para te emocionares com o acto de criar, apaixonas-te pelo processo, deixas de te focar tanto nos resultados, e deixas que a sorte, o imprevisto tenha o seu espaço para existir, não crias resistência ao fluxo natural dos acontecimentos, fazes parte dele, ages fluindo, tem mais força, tens toda a sorte do mundo do teu lado.

As coisas vão todas correr bem?

Não, mas tu sabes, estás preparado para isso, sabes que o imprevisto é como aqueles amigos de longa data, que discutem connosco, que nos dizem em determinados momentos aquilo que não queremos ouvir, mas são esses amigos que amamos acima de tudo, não são aqueles que só nos elogiam, que nos mentem. Nós sabemos que não somos perfeitos, sabemos que há um lado menos bonito de nós, que só temos a coragem de mostrar àqueles que sabemos aceitar as nossas imperfeições, que nos amam apesar delas.

Para esses amigos tu és aquela pessoa que dás o teu melhor quando precisam de ajuda, mas sabes que no fim do dia a vida é deles, são eles que a vivem, são eles que escolhem o seu caminho. As tuas paixões, o teu caminho para uma vida plena em que o teu trabalho, aquilo que fazes te preenche são também assim, dá-lhe tudo o que puderes, cresce ao longo dos bons e maus momentos, não desesperes nos maus, e não craves as unhas nos bons, todos passam.

Se ao longo do caminho te aperceberes que afinal em vez de artista preferes ser contabilista, não te recrimines, pensa no bem que fizeste, nas pessoas que conheceste, no que aprendeste, no amor e entrega que colocaste nas coisas, dá um abraço ao destino, e continua a viagem na direção que escolheste.

“Se tentares controlar excessivamente o processo, limitas o processo.”  – Brad Bird

No processo criativo, todas as pessoas que já o viveram te podem garantir a componente aleatória, e o espaço que o processo precisa para criar as ligações improváveis que consideramos criativas.

Como diz a frase do Brad Bird, realizador de filmes como Ratatouille ou The Incredibles, é o controlo excessivo que limita, há algum controlo, como por exemplo a direcção que estamos a apontar, se aparecemos para escrever, se estamos a desenvolver as nossas capacidades, se estamos a conhecer pessoas que podemos ajudar e ser ajudados, se estamos a estudar o assunto sobre o qual queremos criar coisas novas, e todas essas coisas que dependem da nossa presença e intenção.

O processo precisa de nós, não se faz sozinho, o resultado já depende de muita coisa.

Mas uma coisa te posso garantir, vais-te sentir muito melhor por saber que fizeste tudo o que estava ao teu alcance e falhaste, do que teres um resultado bom, sabendo que fizeste apenas aquilo que os outros esperavam de ti.

Se tu gostares e estiveres satisfeito com o teu trabalho, uma pessoa feliz está garantida, se fizeres o que achas ser o que os outros querem, pode não haver nenhuma.

Dúvidas, inquietações, sugestões, rui@falarcriativo.com

 

 

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