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“Não há necessidade de seres demasiado duro contigo mesmo. Vive segundo padrões altos, mas não impossíveis. E perdoa-te se, e quando tiveres uma escorregadela.”
Ryan Holiday
Esta semana ouvi um episódio do Tim Ferriss com o Jerry Colonna que me fez pensar muito, e admito que houve partes da entrevista que fizeram com que as lágrimas me viessem aos olhos.
Aquilo que mais me marcou foi uma pergunta que o Jerry usa com os seus clientes de coaching.
“De que forma é que foste cúmplice das situações que dizes que não gostas?”
Que pergunta fabulosa, mas uma que implica algum esclarecimento.
É importante distinguir entre cumplicidade e responsabilidade.
Fui ao dicionário perceber se o entendimento que tive da pergunta fazia sentido.
Para cumplicidade encontrei:
- Qualidade de cúmplice; conivência.
Fui investigar cúmplice, que tem como significado:
- Pessoa que tomou parte moral ou material em crime ou delito de outrem.
Muito bem, já estava a chegar a algum lado.
Fui procurar conivência, e a que me chamou à atenção foi:
- Cumplicidade por tolerância
Vamos então à responsabilidade, que é:
- Obrigação de responder pelas acções próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas.
Tornou-se mais fácil assim entender que nas nossas vidas somos sobretudo cúmplices das situações que dizemos não gostar.
O que acontece é que permitimos que as situações tomem um rumo que é aquele que não desejamos, mas não podemos ser responsáveis por um conjunto de factores que não controlamos, como por exemplo as acções de outros, ou mesmo a imprevisibilidade da vida.
Há coisas que acontecem totalmente fora do nosso controlo.
Mas então de que modo nos permitimos chegar a um ponto em que a situação é demasiado dolorosa?
Lembram-se da conivência, da cumplicidade por tolerância?
É isso, vamos sendo cúmplices tolerando coisas que não devíamos tolerar, toleramos trabalhos que não devíamos tolerar, atitudes de outros que não devemos tolerar, e até mesmo toleramos maneira violentas de falarmos connosco.
Se tiveres atenção vais poder escutar o teu corpo, aquele que reconhece primeiro quando estás a tolerar algo que não deves tolerar.
Posso dar-te o meu exemplo, sempre que começo a ser cúmplice de determinadas situações geram-se tensões do meu lado direito que normalmente começam na zona lombar, se propagam até aos ombros, e que culminam em enormes dores de cabeça que quando atingem o seu pico me fazem vomitar e nem conseguir ver luz.
Mas isto costuma chegar a este ponto quando eu olho para as situações como responsabilidade minha, que é culpa minha, que se isto está neste estado tudo dependeu de mim.
Demonstra duas coisas, falta de tolerância comigo próprio, e ao mesmo tempo uma soberba gigante de achar que tenho nas minhas mãos o poder de afectar todos os factores que se encontram a interagir para causar determinada situação.
A tolerância que temos muitas vezes com as situações é inversamente proporcional à tolerância que temos connosco, com os nossos erros e as nossas falhas.
Responsabilizamos sempre algo ou alguém, por vezes nós próprios, no momento em que finalmente nos sentimos desconfortáveis com algumas situações, quando na verdade deveríamos olhar para as ditas situações como uma sucessão de eventos em que fomos cúmplices, mas não responsáveis.
Significa que devemos lavar as mãos e culpar o mundo?
Nada disso.
Podemos e devemos olhar para as situações como, eu permiti, eu tolerei, eu fiz algo de errado, eu fui agressivo, eu disse uma coisa estúpida, e não como, eu sou fraco, eu sou um erro, eu sou agressivo, ou eu sou estúpido.
Quando nos responsabilizamos juntamos também identificação com a situação, e, a nossa identidade é algo mais permanente do que uma acção, uma situação, mas, entre eu sou estúpido ou eu fiz algo estúpido vai uma distância gigantesca. No primeiro caso é quase impossível alterar, é aquilo que sou, no segundo é muito mais fácil corrigir, foi algo que fiz de uma forma e que posso fazer de maneira diferente.
Tenho lido muito sobre performance, sobre chegar mais longe, mas no sentido de chegar bem, em paz, com orgulho no caminho que percorremos, e tenho encontrado vezes sem conta este aspecto da tolerância connosco, a autocompaixão, o amor próprio.
Pessoas como Epíteto, Marco Aurélio, Buda, todos falaram de a natureza básica dos seres humanos ser boa, de haver nas nossas acções uma intenção de fazer bem. Por outro lado, psicólogos do desporto e alta performance falam de que o treinador mais influente nas nossas vidas é o treinador que temos dentro de nós, a maneira como falamos connosco. Se esse treinador é injusto, agressivo e focado nos erros, não nos fará chegar muito longe.
Porque razão então nos condenamos tanto quando fazemos escolhas erradas, quando nos encontramos no sítio errado?
Por ignorância, simplesmente isso, é não nos apercebermos que não estamos a tomar uma decisão alinhada com os nossos valores, as nossas forças e as nossas necessidades.
Ignorância é não ver, é estar de olhos fechados, é estar a dormir como diz o Anthony di Mello, e o urgente que é acordarmos, ver a realidade em todas as suas dimensões, aquelas que nos são mais apelativas e aquelas que nos causam desconforto, enquanto que dormir é só ver uma ou só ver outra.
Quando estou a dormir o mundo é só preto e branco, falta muita informação e essa informação causa a nossa cumplicidade com as situações, mas nunca nos torna responsáveis. No momento em que nos consideramos responsáveis pela totalidade das situações, é certo que estamos em sono profundo, deixámos de ter o mínimo contacto com a realidade, e se estamos a dormir não podemos agir na realidade.
Nunca te aconteceu teres um sonho de estares na praia, ou de teres muito dinheiro, e quando acordaste estavas no comboio ou com a carteira vazia?
Pois, sonhar é bom, mas não altera a nossa realidade a não ser que aprendas com os sonhos para agir na realidade, e para agir na realidade, tens de estar acordado, por mais agradável que o sonho possa ser.
Nota a mim mesmo:
- Se queres ter uma vida de sonho, acorda, caso contrário a tua vida poderá tornar-se um pesadelo.
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