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Medo e Treino

“Denonimado o teu medo deve ser, antes de banir o conseguirás.”

Yoda, Star Wars

Esta frase dita de forma confusa pelo Mestre Yoda da saga Star Wars, quer dizer que enquanto não chamarmos o nosso medo pelo nome que tem, nunca seremos capaz de o superar.

Temos resistência em admitir que temos medo, como se ao reconhecê-lo o estivéssemos a validar, a dar-lhe permissão para tomar conta de nós, mas a minha experiência é precisamente a contrária, quando tenho a coragem de admitir para mim mesmo que estou com medo, e depois disso começar a investigar qual o verdadeiro medo que se esconde atrás de uma prima mais aceite e subtil que é a ansiedade.

Há uns meses que estou a passar por uma situação algo complicada, a qual ainda não posso partilhar, que me tem feito andar numa montanha russa de ansiedade, quer seja na subida, quer seja na descida, e a ansiedade corrói lentamente, uns dias passa a pânico, limita, mas na maior parte dos dias faz-me simplesmente funcionar a menos de metade da capacidade.

No início desta semana estava prestes a rebentar, andava a corroer-me há alguns dias, mas neste caso o rebentar era mais por dentro, a conduzir-me a um lugar de apatia, desânimo, depressão.

“Aquele que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário.”

Séneca

Aprendi que quando sinto que tudo está por fazer, que nada está no meu controlo, que estou vulnerável ao que o mundo envia na minha direcção, é altura de parar, pegar no diário, confrontar-me comigo, os meus medos, a minha ansiedade. Foi o que fiz.

Comecei a dar nome ao que sentia, deixa de ser só uma impressão, algo vago, tem nome, existe no papel, não estou mais num ciclo vicioso de vozes divergentes e confusas que se tornam apenas ruído paralisante. Quando escrevo não consigo escrever todas as vozes ao mesmo tempo, têm de se chegar à frente uma de cada vez, e assim mais facilmente as identifico e quais as suas razões, motivações.

Dos tais medos que tenho, surgiram, medo de que me gritem, medo que me agridam, medo que me ignorem, medo de ser incapaz de me defender, medo de passar fome, medo de sofrer lesões graves, de não ter qualquer capacidade para agir em meu benefício e protecção. A pouco e pouco, ao ver todos esses medos alinhados a olhar para mim, comecei a dialogar com cada um rebatendo os seus argumentos, dando exemplo de situações pelas quais já passei em que reagi, que me defendi, que gritei de volta, que bati de volta, que simplesmente ignorei e segui a minha vida, que mesmo as tais lesões graves que já sofri (não foram assim tão graves), acabaram por ter algum tipo de solução, nem que seja aprender a viver com elas. Comecei a fazer um inventário de todas as capacidades que tenho, de que forma as posso usar, de que forma posso pedir ajuda, e até cheguei ao momento em que saí do buraco fechado em que só estou eu e os meus “problemas”, e comecei a ver maneiras de ajudar outras pessoas, e aí percebi que o foco já não era o de sobrevivência, estou bem, e posso ficar melhor, relativizei, saí do pior cenário, para o cenário mais real, o que está aqui, hoje à minha frente.

“Medo é só um pensamento, e os pensamentos podem ser alterados.”

Josh Perry

Todo este processo é agora mais simples porque não é a primeira vez que faço este exercício de escrever, de enfrentar crenças, fantasmas, no fundo situações que deixam determinada impressão, mas que muitas das vezes deixa uma impressão muito mais negativa do que a realidade dos factos. A memória não é tanto um livro de registos, mas mais um comentário permanentemente actualizado.

Repetição. Treino.

Aceitamos que os atletas tenham de treinar muito para conseguir determinadas capacidades físicas, mas temos pouca tolerância connosco no momento em que temos de tomar decisões, agir desta ou daquela maneira que consideramos mais adequada.

Não deveremos nós ter a mesma mentalidade de treino para tudo o que queremos atingir, ser, fazer?

Há o exemplo mais que batido da criança que está a aprender a andar, que cada vez que cai não fica a pensar que nunca irá conseguir andar. Tenta, cai, tenta, cai, tenta, aguenta-se dois segundos, cai, na vez seguinte aguenta-se três segundos, e há toda uma progressão, uma evolução na direcção que é conseguir andar, o objectivo é claro.

Estava a ouvir um atleta de BMX a referir que treinam certos saltos e manobras onde a aterragem é num fosso de espuma, e depois passa para uma zona mais rígida mas ainda almofadada, e só depois tentam nas rampas, no pavimento, na terra.

Porque razão achamos nós que temos de conseguir realizar todas a manobras que fazem parte da nossa vida e do nosso crescimento sem aceitar que temos medo, que talvez não seja má ideia arranjar uns “colchões” para nos amparar a queda, e sobretudo que não vamos acertar à primeira?

Ouvi também numa entrevista uma jogadora de póquer falar que se eu tentar uma coisa dez vezes e acertar uma, tenho uma taxa de sucesso de dez por cento, e se ao fazer algo de diferente como por exemplo respirar fundo antes de tentar, escrever no diário, acertar duas vezes significa isso que não vale a pena? Afinal, continuo a falhar oitenta por cento das vezes…

Este é um erro grave que cometo, e vejo cometer muitas vezes outras pessoas, em vez de focarmos num aumento de cem por cento relativamente à nossa prestação anterior, preferimos focar nos oitenta por cento de falha, e desta forma vamos largar algo que nos estava a levar na direcção certa, embora, tecnicamente ainda seja um falhanço gigante.

Será que os atletas de BMX, tentam algo novo, caem, não voltam a tentar? Não me parece, caso contrário nunca os veríamos a fazer todas as manobras fantásticas que fazem.

O que será preciso acontecer para nós passarmos todos a ter esta visão relativamente às nossas atitudes e comportamentos?

Pessoas próximas de mim já me chamaram à atenção várias vezes que não entendem porque me irrito, porque deprimo, se eu medito, escrevo num diário as minhas reflexões, como é que é possível eu ser permeável a tais comportamentos?

Respondo-lhes quase sempre, que se não o fizesse seria bem pior, a minha taxa de sucesso pode ter aumentado apenas dois ou três por cento, não sei, mas sei que melhorar dois ou três por cento é bem melhor do que estar parado no mesmo sítio.

Progresso, aprendizagem, fazem-nos avançar, depressa ou devagar, é para a frente.

Link para o evento no Colégio Marista de Carcavelos dia 27 de Abril, às 21h.

Dúvidas, sugestões envia para rui@falarcriativo.com

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