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Brinca, brinca…

“All play is associated with intense thought activity and rapid intellectual growth. The highest form of research is essentially play. ” Neville V. Scarfe

Na semana passada chamaram-me “puto”, e o que associo a essa palavra é brincadeira, o “puto reguila”, um nome carinhoso que serve para nos levar de volta ao tempo em que nos era permitido brincar.

Já fiz, juntamente com a Anita Silva no Falar mais Criativo, um episódio sobre o “play” o jogar, brincar, mas desta vez vou falar de uma maneira mais pessoal, do meu ponto de vista.

Falar mais Criativo – episódio 14, Play (jogar/brincar)

A capacidade de brincar, de fazer de conta é essencial para que possamos crescer, evoluir, e esta coisa de “levar a vida a sério” impede-nos de atingirmos o nosso melhor.

Porquê?

Porque, como se costuma dizer, a maneira de pensar que nos levou a chegar ao problema que enfrentamos, não nos vai levar a outro lado, logo a capacidade de pensar de outra forma, de imaginar como outra pessoa enfrentaria esse mesmo problema, é essencial, e nada melhor para treinar essa capacidade do que brincar.

O brincar, ao contrário do que muita gente se convenceu, quando lhe disseram que tinham de crescer, que tinham de parar com a brincadeira agora que já eram crescidos, não é o caos, não é um espaço sem regras onde tudo é permitido. O jogo, a brincadeira para ser motivante e para nos prender tem de ter regras, tem de nos desafiar a superar obstáculos, a criar novas maneiras de fazer aquilo que as regras ditam, mas de uma maneira nova, inovadora que nos permite atingir o nosso objectivo de ganhar, e entenda-se aqui o ganhar como a superação, que pode ser simplesmente a auto superação.

Há um ponto na vida de todas as pessoas em que começamos a julgar-nos e aos outros quando brincamos, “vê lá se cresces” costumam dizer. Se neste caso, crescer, significasse mesmo aquilo que deveria, então seríamos melhores brincalhões, não menos brincalhões.

Adoramos rir com as manifestações de brincadeira que os humoristas nos presenteiam, adoramos voltar a rir da palavra “pum”, “cócó”, e todas essas referências escatológicas, adoramos entrar nesse mundo proibido, nesse mundo onde não temos de ser nada e podemos ser tudo.

Esta semana os Gato Fedorento, Ricardo Araújo Pereira, Zé Diogo Quintela, Miguel Góis, e o único que ainda não entrevistei, o Tiago Dores, foram à Prova Oral do Fernando Alvim e é fantástico ver que muito daquilo que os fez ter o sucesso e o impacto que tiveram em Portugal, tem a ver com a imaturidade que conseguiram manter nas relações que mantêm entre si. Desde as bocas, os calduços, as alcunhas, tudo demonstra que entre eles é permitido brincar, podem gozar à vontade sem que ninguém sinta que lhe estão a faltar ao respeito, entre eles, as regras estão claras, e existem, tal como já referi.

Nestes ambientes podemos ser mais patetas, desligar de alguma forma aquelas partes do cérebro que estão sempre a julgar a situação, e acima de tudo a manter-nos conscientes de nós próprios, e este foco demasiado grande em mim, e naquilo que que penso que projecto para os outros, não me permite ver algo de novo, algo de criativo, fico preso nos meus padrões, nas maneiras de pensar que não vão para além daquilo que já existe.

Faço parte de um grupo de Teatro de Pais, no colégio da minha filha mais velha, e todos os anos, uma pessoa do grupo escreve uma peça original, controem-se cenários e adereços, e fazemos apresentações para os alunos do colégio, e uma apresentação aberta à comunidade, qualquer pessoa pode assistir. Faz hoje uma semana, fizemos três apresentações, no mesmo dia, segundo ciclo, pré-escolar, e primeiro ciclo.

Nesse grupo é fantástico ver que estes “crescidos” estes pais responsáveis que os miúdos conhecem, se permitem ser tontos, patetas, gozões, rir, fazer rir, e como acontece a maior parte das vezes, chorar ao vermos a alegria que proporcionamos àquelas crianças. Ali é permitido, as regras são claras, é para fazer bem feito, mas é obrigatório divertirmo-nos, e este ano foi o que tornou a peça especial, tivemos menos tempo para ensaiar, o texto não estava tão bem sabido, mas a brincadeira fez-nos ser criativos no momento em que alguém falhava e se esquecia da fala, houve até uma cena em que duas pessoas se esqueceram de entrar, e ninguém deu por isso, houve atrasos na entrada de personagens que foram superados por invenção de texto no momento.

A vida também nos surpreende, há personagens que saem, há adereços que não temos, mas temos de continuar a peça, “the show must go on”, e se encararmos a vida com um olhar de brincadeira, de fazer de conta, nada nos mete medo, podemos e devemos ser tudo aquilo que quisermos.

É fantástico ver os miúdos espantados, e alegremente surpreendidos por ver adultos a fazer aquelas figuras, é maravilhoso ver nos olhos deles que é possível brincar quando forem mais velhos, e é até engraçado ver os filhos dos actores e actrizes por vezes confrontarem-se com um lado dos pais que talvez nem conhecessem. Permitam-se, os miúdos agradecem.

Se os teus amigos não querem brincar contigo, cria as tuas próprias brincadeiras, busca novos companheiros de brincadeira, mostra o divertido que é brincar, mostra acima de tudo que o brincar é uma forma de investigação, e essa forma de investigação é o que te faz encontrar as coisas que procuras, que mais até do que isso, é não encontrar o que procuras, e fazer ainda melhor com o que encontras.

Aquilo que chamamos de realidade é em si mesmo uma construção, não é real, por essa razão quantos mais versados formos nos mundos imaginários, o tal faz de conta, mais facilmente conseguiremos moldar os acontecimentos para encaixarem numa construção da dita realidade que é mais agradável, divertida, tolerante e com potencial de crescimento e expansão.

“A originalidade só acontece nos limites da realidade.”

Darren Aronofsky

A originalidade é feita de experiência, de desafio, e não há melhor espaço para isso que o jogo e a brincadeira.

Brinca e deixa brincar deveria ser o lema do nosso sistema educativo.

Qualquer dúvida ou sugestão, rui@falarcriativo.com

 

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