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“De boas intenções está o inferno cheio”
Ditado Popular
Estará mesmo?
Não sei se estará, não sei se esse tal inferno sequer existe ou não, mas sei que aquilo que por vezes sofro se pode chamar de inferno, ter uma intenção, e não a ver concretizada, não a ver ser mais do uma simples intenção.
Penso que essas intenções e esse tal inferno que o ditado fala, tem a ver com isso, com o facto de muitas pessoas terem montes de desejos, sonhos, coisas que gostariam ter feito e nunca fizeram, e que o remorso de chegar ao momento final das suas vidas e perceber que provavelmente o melhor que tinham para oferecer ao mundo, ficou dentro de si.
Quantos de nós não dizem que “um dia vou ser cantor” ou “eu até tenho jeito para pintar”, ou “daqui a um ano vou correr uma maratona”, mas o que acontece é que não arranjamos um professor de canto para nos tornarmos cantores, o tal jeito para pintar não passa de uma mania que temos e nada fazemos para pintar regularmente, e a maratona irá ser sempre no ano que vem, nunca chega a acontecer.
A minha experiência tem sido muito essa, de ter intenções de fazer muita coisa, mas que depois não tenho sido capaz de passar a objectivos operacionais, algo que aprendi recentemente, e que penso fazer toda a diferença para nos ajudar a chegar mais perto de ver as nossas intenções concretizadas.
Um objectivo operacional tem de integrar três componentes fundamentais:
– Descrição do comportamento esperado
– Quais as condições de realização
– Critério de êxito
Vou dar um exemplo e tentar explicar como podemos usar esta ferramenta para não ir parar ao inferno cheios de boas intenções, podemos ir lá parar na mesma, mas de consciência mais tranquila de ter feito o máximo com o que tínhamos, e isso para mim será sempre o meu céu.
Se eu quiser ser escritor, pintor, surfista, descrito desta forma são objectivos gerais, não específicos, e por sua vez não operacionais, nada nesta formulação me permite saber o que tenho para fazer, nem de que forma saber se o meu objectivo foi ou não alcançado, se estou perto ou longe do alcançar. Mas se eu disser que quero escrever duas horas todos os dias, que necessito de ter um caderno e caneta ou um computador, e que tenho de escrever quinhentas palavras por dia, aí consigo dizer que o comportamento esperado é escrever, que as condições de realização são o tempo designado e a caneta ou o computador, e que o critério de êxito são atingir ou não as quinhentas palavras. Poderei escrever mais, poderei escrever menos, poderei não escrever, mas ao confrontar o que fiz ou não fiz com o meu objectivo, facilmente percebo que a minha intenção não está ter resultados práticos.
Tudo muito certo, mas que tempo foi gasto no clarificar da minha intenção?
Devo eu partir logo para o estabelecimento do tal objectivo operacional com a primeira intenção que me surja?
Se partir logo para a definição do objectivo sem clarificar a verdadeira intenção, o que provavelmente irá acontecer, é atingir ou não o objectivo, mas isso pouco importará, pois se a intenção não era clara, não me irei satisfazer com qualquer dos resultados, sucesso ou insucesso. Haverá com certeza alguma alegria por atingir o objectivo, mas será sol de pouca dura, irei rapidamente encontrar-me com a mesma insatisfação que tinha antes de ter começado.
“Então assim vais passar a vida a clarificar as tuas intenções? Não vais passar daí, de reflexão atrás de reflexão.”
Diz aquela vozinha que me acompanha enquanto escrevo estes textos.
Mas tenho aprendido algumas coisas ao longo destes quase cinco anos de Falar Criativo, de coisas que vou lendo, estudando, perguntando, e já consigo responder a essa vozinha, já tenho algumas ferramentas que me permitem avançar sem ficar preso em comentários internos pouco construtivos.
Quando surge essa tal intenção, poderemos perguntar-lhe porquê três vezes como o Ricardo Semler faz quando se depara com determinadas situações, opiniões, pensamentos.
Por exemplo:
- “quero ser pintor”
- “porquê?”
- “porque gosto de pintar”
- “porquê?”
- “porque me faz sentir bem”
- “porquê?”
- “porque consigo exprimir coisas que de outra forma não consigo”
A partir daqui sabemos que queremos exprimir coisas através da pintura que de outra forma não conseguimos, precisamos de passar à fase de encontrar as condições necessárias para a realização, e definir qual o critério de êxito.
As condições poderão variar de pessoa para pessoa, mas será necessário pincéis, tintas, e telas ou algo equivalente a este conjunto, precisaremos de dedicar tempo a fazê-lo, e um espaço onde fazer.
Critério de êxito, será pintar, e exprimir coisas que de outra forma não seria possível para mim. Poderia ser ter um quadro numa galeria, vender um certo número de quadros, mas quando estabelecemos a nossa intenção, aquilo a que chegámos não tem nada a ver com coisas que não controlamos, galerias e vendas.
A parte das expectativas é aqui que entra, para ser correcto deverá estar presente na nossa mente quando reflectimos sobre a nossa intenção, deveremos ter a noção, estar conscientes que as nossas intenções poderão não encontrar as nossas expectativas da forma que esperamos.
As coisas nem sempre correm conforme o planeado, a vida é imprevisível, por mais que nós tentemos fazê-la, ou melhor, por mais que queiramos acreditar na lógica dos acontecimentos, há uma componente aleatória tão grande que escolhemos não a ver, neste caso, se eu achar que ao fim de três meses vou estar a viver da pintura, as variáveis que eu não controlo são tão grandes que as minhas expectativas difícilmente irão ser concretizadas, mas se eu não amarrar as minhas intenções a resultado muito específico, poderei continuar a pintar sem achar que nunca será possível viver da pintura, e ainda poderei encontrar coisas que até superam as minhas expectativas em alguns aspectos, embora não em todos.
Cada vez mais me vou consciencializando que intenções bem trabalhadas, objectivos específicos e bem definidos nos aproximam de um lugar de tranquilidade, de paz de saber que não estamos a deixar por fazer, ou melhor, por viver tudo aquilo que podemos, mas nenhuma paz será alcançada se não estiver aberto ao aleatório, ao indefinido, ao imprevisível. Vejo mais claramente que a resistência que tenho tido ao que tem vindo na minha direcção por não ser exactamente aquilo que queria – quando ainda por cima não consigo apontar sem sombra de dúvida o que é que realmente quero – me tem retirado energia, sem que com isso algo seja produzido, tal como estar permanentemente a encher um pneu furado.
Quando estabeleço objectivos, a minha experiência tem sido de todos serem um sucesso, porque quando passo das intenções para a parte operacional de concretização, mesmo que não atinja exactamente o resultado esperado, sinto que foi uma oportunidade para aprender, para me confrontar com o que sei, o que acho que sei, e aquilo que não sei mesmo.
As minhas revoltas contra mim vêm quase sempre do que não tentei, daquilo que nunca passou de intenção, de expectativas baseadas em nada, em sonhos vãos, caprichos da boca para fora, associados a uma culpabilização do mundo por não me oferecer aquilo que eu não estive disposto a arriscar planear, ou quando comecei a planear me derrotei por só ver o que não sei, o que não tenho e tudo o que vai correr mal, não escolhendo ver as coisas que sei, aquilo que tenho e aquilo que pode correr bem.
O que tenho para me dizer neste momento é para ser claro nas intenções, objectivo no planeamento e aberto a vários resultados, de nada adianta fugir daquilo que me compete enfrentar, superar.
“Aquilo que impede a tua tarefa, é a tua tarefa.”
Sanford Meisner
Dúvidas, sugestões, rui@falarcriativo.com
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