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Nuvem negra

“Os pessimistas normalmente estão certos e os optimistas estão normalmente errados mas todas as grandes mudanças foram alcançadas por optimistas.”

Thomas Friedman

A Eunice, ouvinte do podcast sugeriu um tema que me diz muito, e então decidi ser hoje o dia para me debruçar sobre ele.

Como navegar neste mar de incertezas, gerindo entre o pessimismo e o optimismo?

Eu tenho sido ao longo dos anos uma daquelas pessoas nas equipas que olha para todas as possíveis falhas, por onde a ideia pode cair, por onde não vai dar certo, tudo contrário ao que se poderá chamar de um motivador, tendo-me sido dito várias vezes – “és tão negativo!”.

Sim, sou negativo, tendo sido o meu modo por defeito, consigo ver a milhas todas as coisas que são necessárias e não temos, todos as pessoas que são precisas e não temos, o tempo que não temos e que teimam que não é necessário, mas ao mesmo tempo consigo ver que a minha negatividade tem ajudado em muitas situações.

Se vejo que muita coisa pode correr mal, das duas uma, ou invisto em arranjar o que falta para correr bem ou então serve para questionar se a motivação e a energia necessárias estão presentes, se apesar de tudo o que pode correr mal, as pessoas envolvidas acreditam e estão empenhadas em resolver tudo o que pode correr mal.

São os optimistas que mudam as coisas segundo a frase inicial, mas um optimista sem travões é um irresponsável.

Claro que causa mau estar nas equipas e haver aquela nuvem negra que parece que só sabe apontar defeitos e chamar a atenção para o que pode correr mal, e muitas vezes torna-se imperceptível o seu papel quando as coisas correm bem, mas também já me aconteceu dizerem-me que agoirei o projecto, que foi a minha visão negativa que fez com que a coisa corresse mal.

Muitas vezes aceitei as críticas, absorvi-as e senti-me muito mal por isso, virando-me contra mim, que a minha negatividade só me iria levar para o fundo, que não tenho valor, e um sem fim de pensamentos destrutivos.

A minha negatividade ficava ainda mais negativa.

Passei depois por uma fase de me calar, fazer-me de positivo, deixei de dar opiniões negativas, calava-me para não olharem para mim como um abutre à espera da carcaça.

Admito que gostava de dizer a famosa expressão “Eu avisei”, como se isso tornasse as coisas melhores, como se o facto de não me terem dado ouvidos servisse para alguma coisa construtiva.

Quando as coisas correm mal, há várias posições que as pessoas tomam:

1 – O deprimido, aquele que fica destruído pelo insucesso, achando que é culpa sua ou que as coisas só podem ficar piores.

2 – O abutre, tira enorme prazer da desgraça, porque talvez tenha dito que ia correr mal, e a falha é uma validação da sua posição.

3 – O irresponsável, é aquele que diz que não faz mal, que não há problema algum, que o próximo corre melhor, que está tudo bem.

4 – O cobrador, é a pessoa que cobra de todos o que deviam ter feito e não fizeram, que se correu mal foi porque não se esforçaram, não tiveram atenção. Desresponsabiliza-se totalmente.

5 – O realista ou o pragmático, é a pessoa que não está a perder tempo com nenhum dos cenários anteriores, não atira culpas, não cobra dos outros, não é irresponsável ao ponto de achar que nada aconteceu, nem se deixa ir pela onda depressiva. Este personagem, assim que se apercebe do que correu mal tenta rapidamente estancar o sangue, colocar um penso rápido para ganhar tempo para ir perceber o que poderia ter sido feito de maneira diferente, corrigir e voltar a tentar usando a aprendizagem desta falha. Continua a avançar, baseado no passado mas olhando para o futuro, para aquilo que pode ser.

Na fase em que me passei a calar, as coisas aparentemente estavam melhores, eu sentia-me mais positivo, não olhavam para mim de forma crítica, mas não estava bem quando olhava para alguns resultados que ficavam aquém do que seria esperado por falhas que reparava e me deixava ir, dizendo para mim mesmo que se calhar era o meu olhar negativo é que estava a deturpar as coisas.

Chegou então a um ponto que tive de questionar porque razão era tão negativo, e se a minha negatividade era assim tão má.

Percebi que desenvolvi um músculo que me serviu numa fase da minha vida, que foi esse olhar para o que pode correr mal que me salvou de algumas situações, que foi essa perspectiva que fez com que alguns projectos chegassem mais longe ou que não implicassem mais custos de refazer, de ter de apanhar os cacos.

Todas as ferramentas emocionais e psicológicas que desenvolvemos tiveram em algum momento um propósito, caso contrário não as teríamos desenvolvido, não faz sentido do ponto de vista evolutivo.

O que percebi também foi que aquela ferramenta que tinha tão bem afiada e desenvolvida de ver onde podia correr mal me limitava, como se costuma dizer para quem só tem um martelo, tudo na vida parece um prego, e eu estava a usar sempre a mesma ferramenta.

E se eu acrescentar mais ferramentas?

E se eu depois de ver o que pode correr mal, me focar em formas de corrigir e ver o que pode correr bem?

Implicou da minha parte um ter de acreditar que era possível, que poderia construir em cima da minha negatividade, não era deitá-la fora, era usá-la como alicerce.

Como?

Fazendo um inventário de situações em que acreditei, em que apesar de pensamentos negativos consegui ver o que podia correr bem, ou que nas situações em que correu mal a vida continuou, sobrevivi, cresci.

Também me tornei mais disponível para ouvir as vozes daqueles que acreditam, nos optimistas, a ver o seu ponto de vista, a acreditar na sua visão, construindo com eles, usando a minha negatividade como uma guarda de uma escada que assegura que posso continuar a subir tendo ali um limite físico que me separa da possível queda.

Passei a ter mais ideias que constroem, muitas vezes em cima de destroços, mas quando passámos a maior parte da nossa vida a acumular ferramentas para ver o que pode correr mal, temos um armazém cheio, não é fácil arranjar logo muito espaço para as novas ferramentas.

É um processo, tudo é um processo, sei que pareço um disco riscado, mas nestas questões temos de ter consciência que as coisas podem não correr bem, mas temos sobretudo de acreditar em nós, nas nossas capacidades, de acreditar que pode correr bem, que se continuarmos a tentar é quase impossível não evoluirmos e chegarmos mais longe.

Ontem ouvi que o mantra do Tom Hanks quando as coisas começam a parecer negras é:

“Entre medo e fé, escolhe fé.”

Sim, porque o medo é não sabermos o que vai acontecer mas vendo o lado negativo, fé é não sabermos o que vai acontecer, mas acreditando que vai correr bem.

Não saber por não saber, escolhe aquilo que te move não aquilo que te paralisa.

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